Os três mal amados
Joaquim:
O amor comeu meu nome,
minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade,
minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevia meu nome.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.
Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ningém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis
onde irrefletidamente
eu tornara a escrever meu nome.
O amor comeu minha paz e minha guerra
Meu dia e minha noite
meu inverno e meu verão,
comeu meu silêncio,
minha dor de cabeça,
meu medo da morte.
João Cabral de Melo Neto
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
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