quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008







vai lá, caminha até a beira da escada e vê se se equilibra. do que temo? quando cheguei um rato estava morto num degrau da escada, estava sob a chuva, senti nojo e dó, o nojo não era de mim, não era verdadeiramente meu, era um nojo de alguém, mas ainda sim não estragou meu apetite. embrulhei um pedaço de carne com o pão e comi sem sentir nada, de repente (já era de se esperar) a imagem do sonho me vem à cabeça e tenho vontade de chorar, mas disfarço, não estou sozinho, e bem... todos choram, uma hora ou outra alguém chora, não me levem a mal, não gosto de chorar na frente dos outros. ele parecia se sentir mal, talvez quisesse chorar, mas não queria que fosse na minha frente. não queria me sentir enojada ao ver o rato morto, não queria que ele pensasse que eu pensasse que aquele lugar era inabitável, é bastante úmido, como todo o resto, mas tinha seu conforto no lençol da cama, na toalha do banho e no capacho (mesmo que gasto) da porta da entrada, que além de você destrancar com certa dificuldade, é preciso levantá-la delicadamente, não, alí não entraria qualquer rato que fosse. não gosto de parecer desinteressado quando não estou, por isso digo que ontem eu tentei dormir depois da embriaguez da madrugada, em vão. foram trinta ou quarenta minutos sufocados em que parte do tempo dividi minha cabeça em cima do travesseiro e outra diretamente no colchão. as imagens com o pai que em breve morreria deixou-me esgotado, acordei com o rosto úmido, e antes disso, antecedendo estas imagens, eu me via sangrar ininterruptamente pelo nariz, era um sangue pouco espesso bastante vermelho. crianças levavam-me para um banheiro antigo com poças d'água, mas com o piso avermelhado as poças tornavam-se assim da mesma cor. era um enorme banho cheio de crianças que se beijavam e se masturbavam, enquanto mãos tiravam-me as roupas, desabotoavam minha calça e camisa. eu me senti velho de participar daquilo tudo, ou tivesse tido medo de ser tão pervertido. saí apreensivo contando minha idade em voz alta, não que eles quisessem saber, mas eu quis dizer. gosto de como trata a carne, é voraz. é como se soubesse que esse alimento já morto não pode mais do que a própria aparência morta e que seu aspecto sadio só existe devido a métodos duvidosos para disfarçar seu real processo de putrefação. o cheiro da carne e do pão, que embrulha suas deformidades, nervos e músculos, como uma pele. ele parece cansado, e como é branco! as veias saltadas perto dos punhos. demora a se deitar, tira os sapatos e desaba, eu apago as luzes e não digo nada. mais uma noite em que converto tudo o que sinto em explosões cerebrais, hemorragias e contrações abdominais, tento-me manter calmo, estou na beira do degrau, vejo o rato morto enxarcado, tem a cabeça pequena desprendida do tronco. queria que ela não visse, mas respeito os mortos e sei que eles têm sua importância como mortos e devem ser vistos.





Um comentário:

Tatta barboza disse...

caramba... : forte, intenso, nojento.. e triste.